Grande Capítulo de Maçons do Real Arco do Brasil

EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish

Quando a Pedra chegou ao Brasil

João Guilherme

(1ª Parte)

Por quê?

Ao completar 79 anos de idade e 34 de Maçonaria, 28 dos quais dedicados ao Real Arco, naturalmente a memória é um arquivo imenso.  Bem, posso ser dinossauro em muitas coisas (principalmente em TI…), mas, graças a Deus, a memória ainda está razoavelmente decente.  Por isso, face à insistência do pessoal, que teme que esses registros possam ir para o brejo junto com o titular do cérebro, concordei em repassar os anos incríveis em que fui testemunha da consolidação de um Rito tão importante no contexto universal como o Rito de York.

Dizem que a tragédia é mais nobre do que a comédia.  Besteira.  Os gregos tinham Musas para as duas.  Dizem também que a idade apara as arestas.  Pode até ser.  Depois de tantas óperas trágicas, Richard Wagner compôs Os Mestres Cantores e Giuseppe Verdi compôs Falstaff.  Porém, mais ainda, eu aprecio Gioachino Rossini, que colocou a comédia no mesmo patamar das tragédias com seu O Barbeiro de Sevilha.

Por isso, meus Irmãos e Companheiros, digo desde o início que Maçonaria é alegria.  E, com todas as dificuldades e tempestades, o Real Arco tem sido a maior delas.

O Real Arco descobre o Brasil

O Real Arco chegou ao Brasil com o Capítulo Jerusalém, criado por Maçons da Grande Loja Maçônica do Estado do Paraná.

Antes, porém, seus Oficiais, os Companheiros Adolfo Bley (PGM), José Rodrigues Filho e Ildefonso Ferreira, do Capítulo Jerusalém, instalaram o Capítulo José Guimarães Gonçalves, em 8 de maio de 1993, no Condomínio Maçônico Demerval de Souza Barros, em São Cristóvão, no Rio de Janeiro.  O nome foi homenagem ao já falecido Grão-Mestre José Guimarães Gonçalves, que era daquele que pensávamos ser o Rito de York.

Naquela manhã de sábado, 41 Irmãos receberam os quatro Graus por comunicação.  A maioria deles vinha das Lojas Luiz de Camões e York, então jurisdicionadas à Grande Loja Maçônica do Estado do Rio de Janeiro. Nos foram dadas algumas cópias datilografadas dos rituais (naqueles tempos ainda não eram digitadas…) coma primeira tradução dos rituais, se não me engano, obra do Comp José Alves Rodrigues. Também nos foram demonstrados sinais e palavras, junto com uma breve descrição verbal.  E só isso.

A primeira turma

Esta foi a primeira turma, na ordem em que aparecem na Carta Constitutiva definitiva, assinada em 1997, como veremos mais adiante:

Ésio de Figueiredo Macedo, Paulo Carvalho do Nascimento, Johann Karl Meisterhofer, Yuri Nicolau Kler, Alédio Alexandrino da Silva, José Nunes dos Santos, Michael Nicholas Dennis, Felisberto da Silva Rodrigues, João Guilherme da Cruz Ribeiro, Osvaldo Luiz Machado, João Pessoa das Chagas, Antônio Carlos da Silva Moreira, Jorge Levi Salles Pereira, Rubens Braga de Lima, Guilherme Lemos Aguiar, Lucio Carlos Guimarães Rangel, Constantino João Neto, João Evaristo Ferreira, Altamiro Nascimento, Hamilton Batista Gonçalves, Fernando Paiva da Rocha Filho, Paulo Otávio de Lemos Aguiar, Odir Cordeiro de Souza, Nilton Magalhães de Souza, Paulo Roberto Curi, Manoel Rodrigues Soares, Nilo Sérgio Corrêa, Joaquim dos Santos Leandro, José Alves Cordeiro, Adão Malta Costa, Cláudio Mendonça Ramos, Modesto Ferreira Castelo, Marcus Antônio Lacerda, Marcus Moesia Ribeiro, Edson Oliveira Bispo, Luiz Zveiter, Cláudio Moreira de Souza, Antônio Dionísio dos Reis e Sérgio Lobo da Cunha e Silva.

Os primeiros Oficiais

O Comp José Nunes dos Santos, então Grande Chanceler da GLMERJ – responsável pela grande maioria dos reconhecimentos internacionais daquela Potência até a data – foi o primeiro Sumo Sacerdote, muito merecido, porque tudo aconteceu graças ao seu prestígio nacional.  Completavam o quadro os CComp Joaquim dos Santos Leandro, como Rei, Ésio de Figueiredo Macedo, como Escriba, Constantino João Neto, como Tesoureiro, e eu, como Secretário.

De repente, tiraram a escada!

Lamentavelmente, naqueles tempos sem internet, o Capítulo Jerusalém adormeceu, devido a divergências no seio daquela Grande Loja.  Ficamos no escuro, sem ter a quem consultar.  Para compreender e poder realizar as cerimônias, pegávamos as informações de onde achávamos.  Recorremos aos livros, que estão citados na bibliografia do livro que escrevi posteriormente, O Nosso Lado da Escada, e ao ritual trazido dos Estados Unidos pelo Comp Alex Vivian Leake.

Foi uma jornada exaustiva, tentando entender como cada Oficial fazia seu trabalho.  Como eu dispunha de uma excelente impressora na editora, nós imprimíamos pequenas edições do ritual e colocávamos em prática, para corrigir erros.  Creio que foram 14 edições diferentes, antes que nos dispuséssemos a imprimir em gráfica!

Mas havia outros problemas: a parafernália para realizar as cerimônias tinha que ser fabricada e a papelada para administrar tinha que ser desenvolvida.  E tínhamos que criar os meios de divulgar um Rito inédito no Brasil, onde ainda chamava de “York” o ritual de Emulação inglês, pensando que fosse a mesma coisa. 

O jeito foi fazer de tudo com as nossas mãos. Felisberto fez o Arco e o Lewis, eu fiz as Arcas (depois de descobrir que eram duas, é claro!) e os certificados improvisados, o Balthazar a iluminação e minha mulher, os Véus.  Enquanto isto, o Constantino providenciava os aventais e o Nunes criava os estatutos e mandava cunhar o Chapter Penny e a chancela.  Naqueles dias, a sede do Real Arco era na mala do carro do Nunes. Também improvisando, nossos relatórios para o General Grand Chapter eram planilhas gigantes, feitas em CAD, já que o Comp Balthazar Rebouças Feijó era engenheiro.  Quando conheci o Grande Secretário John Kirby, anos depois, sabendo que eu era do Brasil, ele riu e disparou:

– Ah, você é do Brasil, certo?  Lembro muito bem daqueles relatórios-monstro!

Naqueles tempos imemoriais, improvisávamos tudo, coisa de doido, mesmo! 

No entusiasmo, o Capítulo JGG prosperou.  Rapidamente chegou a 200 Companheiros, o que permitiu comprar uma cota do Condomínio Maçônico Demerval de Souza Barros, nossa sede litúrgica até hoje.

A primeira tempestade

Mas, então, o Capítulo foi abalado pela morte dos CComp Nunes, Alex e Ésio em rápida sucessão e o Comp Paulo Roberto Curi, que era Grão-Mestre Adjunto, afastara-se da Grande Loja.  Pior, em 1996, as irregularidades cometidas pelo Grão-Mestre de então levaram os Irmãos a exigir que ele se explicasse.  Um mês depois, o Grão-Mestre renunciou, confessando a suspeita de desvios. Seu sucessor, Adjunto do Grão-Mestre demissionário, no período conturbado que se seguiu, acabou por suspender e ameaçar de expulsão muitos Irmãos inconformados, entre eles os Companheiros do Capítulo JGG.

Por isso, as duas Lojas pioneiras do Real Arco saíram da Potência e o Capítulo passou a sofrer a hostilidade da Grande Loja. O mais trágico foi a morte do Comp Felisberto, desgostoso pela expulsão injusta que acelerara seu câncer.

Naturalmente, as ameaças esvaziaram o Capítulo JGG.  Muitos se foram por temer represálias. Por contraste, alguns resolveram enfrentar as perseguições, mesmo ainda pertencendo à Potência. E a eles foi entregue o destino do Capítulo JGG: Dagomar Ruas Silva, Sumo Sacerdote; Gerson Bastos de Queiroz, Rei; e Jorge Melo, Escriba.

Outros mais vieram, mesmo sabendo dos riscos: José Alves Rodrigues Filho e Manoel Adelino Amorim de Araújo.

Assim, lentamente, o Capítulo JGG voltou a prosperar e ganhar aliados.  O Supremo Conselho do Grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceito para a República Federativa do Brasil estabeleceria, em futuro próximo, um marco de cordialidade e estreita amizade, um exemplo para a América Latina, onde muitas vezes maçons de ambos os Ritos se veem como rivais. 

O reforço veio do Sul

No início de 1997, eu ainda tinha minha agência de marketing, que facilitava muito criar e gerenciar os nossos impressos.  O Irm Nei Inocencio dos Santos, Grande Primaz do Supremo Conclave do Rito Brasileiro ligou-me para avisar que havia sido procurado por um Irmão gaúcho em busca de informações sobre o Rito de York.  Assim conheci Jorge Raul Lago Simões, uma dessas amizades que marcam a vida.  Ele era o responsável pelo Rito de York no Grande Oriente do Rio Grande do Sul (COMAB), que tinha, sim, Lojas que trabalhavam como “Maçons Livres, Antigos e Aceitos”, nada mais nada menos do que o legítimo Rito de York, embora baseados nos rituais não oficiais editados por Malcolm C. Duncan.  Na minha ignorância, eu acreditava que eram irregulares.  Alguns anos depois, eu iria morder a língua para não dizer asneira!

Um dínamo, o Simões resolveu abrir um Capítulo em Porto Alegre.  Típico dele, arregaçou as mangas e em pouco nós recebíamos a notícia da fundação do Capítulo Thomas Smith Webb, em que ele era o Sumo Sacerdote, Carlos Leopoldo Foltz, o Rei, e Maurício Cláudio de Albuquerque, o Escriba.  Tudo que era necessário para as cerimônias feito pelas próprias mãos, mandado fazer ou comprado in loco e pago pelo Simões.  Era a tradição daqueles tempos heróicos…

Agora, não éramos mais um pontinho perdido no meio do mapa, mas dois!

Neste mesmo ano, recebemos a Carta Definitiva para o Capítulo José Guimarães Gonçalves, ostentando o Nº 1.  Preocupado, liguei para o General Grand Chapter. O Grande Sumo Sacerdote Geral, Comp Murray Cooke, e o Grande Secretário Geral, Comp John Kirby confirmaram que sim, éramos o Nº 1, porque tínhamos enviado os relatórios e pago as anuidades.  Dos outros dois Capítulos, Jerusalém e Cascavel, há anos os americanos não tinham qualquer notícia desde 2003.

Mais tarde, depois da fundação do nosso Grande Capítulo, saberíamos da existência de outro Capítulo no Rio Grande do Sul, o Monte Moriah, fundado em dezembro de 1993.  Como eu disse no início, eram tempos sem internet!

Um complicador…

Aí, a chegada da Carta do Capítulo JGG complicou tudo.  Agora estávamos sob os holofotes!  Nós e as Lojas Luís de Camões e York estávamos até então fazendo Maçonaria sob as estrelas, sem filiação regular, com uma certa Grande Loja Regular do Rio de Janeiro, uma solução meia-boca que fracassou. Sabendo disso, o Simões me filiou à Loja Mestre Benjamin Franklin, do GORGS.  Embora os Grandes Orientes da COMAB ainda não fossem reconhecidos, o GORGS então já tinha um século de existência.  Podíamos respirar mais aliviados, embora os desentendimentos com a Grande Loja do Rio de Janeiro ainda prejudicassem muito.

… e o descomplicador

A solução viria da influência de outro amigo valioso, o Irm Rui Ferreira da Silva, Grande Secretário das Relações Exteriores Adjunto do Grande Oriente do Brasil, um dos responsáveis pelo reconhecimento do GOB pelas Grandes Lojas americanas.  Ele expôs os fatos a um Maçom extraordinário, o Grão-Mestre Geral Francisco Murilo Pinto.  Reconhecendo a irregularidade nos processos, em 30 de outubro de 1999, todos os Irmãos expulsos foram regularizados no GOB, na Loja Verdadeira Amizade Nº 2366, de Além Paraíba, MG.  Finalmente estávamos seguros para ir adiante!

Nesse momento, depois de seis anos de ausência, aparece o Comp Paulo Roberto Curi, retornando de Brasília.  Sua experiência em racionalizar os procedimentos, quando Grande Secretário da Grande Loja Maçônica do Rio de Janeiro, seria de grande valia para darmos o salto seguinte.

Surge o Grande Capítulo

Como vimos, sob a liderança do Simões, fora criado o Capítulo Thomas Smith Webb No 2, em Porto Alegre. A experiência em organização do Curi se juntou à do Rui nas Relações Exteriores. Foram eles que propuseram criar mais um Capítulo e peticionar o General Grand Chapter para um Grande Capítulo brasileiro. Para falar a verdade, eu fui contra, porque me daria um trabalho infernal (não deu outra!).  Mas fui voto vencido.  Assim, sob a liderança do Balthazar, surgiu o terceiro Capítulo, o Keystone Nº 3 e foi feita a petição, ainda em 2000.  No dia 1º de janeiro de 2001, o Grande Capítulo de Maçons do Real Arco do Brasil foi legalmente fundado.

Por meses a fio aguardamos a Carta Constitutiva do Grande Capítulo do Brasil. Finalmente, não aguentando a ansiedade, o Rui ligou para o Grande Secretário do General Grand Chapter e levou um susto.  A Carta fora assinada no dia 24 de maio de 2001 e enviada ao Brasil, mas tinha sido devolvida aos Estados Unidos!  O porteiro do condomínio dele simplesmente tinha devolvido a encomenda…

Pacientemente, o General Grand Chapter tornou a enviar a Carta e o porteiro escapou da ira do Rui.

Com o Grande Capítulo recebendo sua Carta Constitutiva, acabaríamos eventualmente sabendo da existência do Capítulo Monte Moriah, também fundado em 1993.  Entendendo cavalheirescamente a situação, os Companheiros gaúchos passaram a integrar nossas fileiras.  Àquela altura, já tínhamos 9 Capítulos.  Assim, o Capítulo Monte Moriah recebeu o Nº 10, mas orgulhosa e legitimamente ostenta sua data de fundação em seu estandarte: 17 de dezembro de 1993.  E seria o grande pioneiro na implantação do famoso paletó vermelho para Sumos e Past Sumos Sacerdotes dos Capítulos, como veremos mais tarde!

Grandes amizades aqui e lá fora

Naqueles tempos, chegávamos ao Real Arco provenientes de diversos Ritos.  Eu, Curi e a maioria de nós foi iniciado no Rito Escocês Antigo e Aceito, majoritário no Brasil.  Já o Irm Luiz Silva Cavalcante veio do Rito Brasileiro, assim como o Irm Wilson Aguiar Filho veio do Rito Moderno.  Quer dizer, bem cedo nos acostumamos a conviver e apreciar esse mosaico incrivelmente rico e variado que é a Maçonaria Brasileira. 

todos os Ritos.  Uma das características que permitiram ao Real Arco sobreviver foram as amizades, calcadas no respeito e na consideração.  Ainda anterior à chegada do Real Arco no Brasil já tínhamos sólida amizade com o Supremo Conselho do Grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceito da Maçonaria para a República Federativa do Brasil.

Dois de seus Soberanos Grandes Comendadores, o anterior e o atual, IIrm Luiz Fernando Rodrigues Torres e Jorge Luiz de Andrade Lins, assim como diversos de seus Membros Efetivos, como os IIrm Rui Silvio Stragliotto, Francisco ‘Bonato’ Pereira, Anderson Pinto Verçosa Simões, são Companheiros no Rito de York há muito tempo, como o foram os saudosos Carlos Roberto Roque e Rubens Marques dos Santos.  Isto contrasta com o que ocorre em muitos países da América Latina, onde a rivalidade e uma certa “reserva de mercado” impede a convivência pacífica e proveitosa.  Cada Rito tem suas lendas, seus usos, costumes e maneira de transmitir as lições. 

As primeiras reuniões anuais

Nossa primeira reunião anual aconteceu em novembro de 2001, aqui no Rio de Janeiro, no Hotel São Francisco.  Como não poderia deixar de ser, foi tudo improvisado, organizado pelo Curi e pelo Constantino, a começar pela joia do Sumo Sacerdote!  Porém, nesse encontro firmamos dois tratados de amizade, um com o Supremo Conselho do Rito Moderno, assinado pelo Grande Inspetor Geral, Irm Antonio Onías Neto, em 23 de dezembro de 2001, e, logo depois, em 8 de dezembro, com o Excelso Conselho da Maçonaria Adonhiramita, assinado pelo Grande Patriarca Regente, Irm José Gonçalves da Silva

O tratado de amizade com o Supremo Conclave do Brasil para o Rito Brasileiro dos Maçons Antigos, Livres e Aceitos seria assinado pelo Irm Nei Inocencio dos Santos, ele que nos apresentara ao Jorge Simões, aconteceria em17 de dezembro de 2003, já em conjunto com nosso segundo Grande Sumo Sacerdote, Dagomar Ruas Silva., em nossa segunda reunião anual, que também aconteceu no Rio de Janeiro, no mesmo Hotel S. Francisco.  Ela nos trouxe duas surpresas magníficas.  Recebemos a proposta para realizar a primeira Trienal do Grande Capítulo de Maçons do Real Arco do Brasil em Florianópolis, Santa Catarina, em 2003, oferecimento do Irm José Carlos Pacheco, do Grande Oriente de Santa Catarina (COMAB) e apresentada pelo Irm Maurício Cláudio de Albuquerque.  Depois, a visita de nosso primeiro amigo internacional, Odilón Flabiano Ayala Alegre, Grande Secretário do Gran Capítulo de Masones del Real Arco del Rito de York del Paraguay.  A estreita amizade que estabelecemos naquele dia, em presença de nossas famílias, nos daria força para enfrentar as muitas tempestades que viriam pela frente.

(fim da primeira parte)

plugins premium WordPress